Pico do Areeiro
Oásis num Deserto de Montanha
Em Março de 1994, a Câmara do Funchal criou o Parque Ecológico do Funchal, integrando nesta unidade especial de gestão uma vasta propriedade municipal com cerca de 1000 hectares, que ocupa a zona montanhosa sobranceira à cidade entre a Levada dos Tornos (altitude=600 m) e as proximidades do marco geodésico do Pico do Areeiro (1816 m).
A instituição do Parque marcou o fim dum período de quase abandono duma importante parcela do chão do concelho e o início dum novo ciclo de gestão do seu património natural. Em Outubro de 1995, contra ventos e marés, ficou concluído o duro processo de retirada das cabras e ovelhas. Extinto o pastoreio, que tinha contribuído para a desertificação das terras entre o Chão da Lagoa e o Pico do Areeiro, começava a longa etapa da recuperação da paisagem e da diversidade biológica das terras altas do Parque. A tarefa não se afigurava fácil, mas era enorme a vontade de levar avante um processo fundamental para a segurança dos populações e a melhoria dos recursos hídricos. Só o retorno da formação vegetal indígena poderá travar a erosão, diminuir os riscos de cheias catastróficas (aluviões) e aumentar os caudais das nascentes.
O sucesso do projecto passava, e passa, pelo empenhamento dos cidadãos nas tarefas de plantação e manutenção de muitos milhares de plantas em solos esqueléticos e num ambiente climático hostil. O trabalho voluntário afigurava-se como um precioso complemento para as múltiplas actividades que estavam sendo desenvolvidas pela limitada equipa de funcionários do Parque.
Foi assim que, a 11 de Julho de 1996, um grupo de 11 pessoas deu corpo à Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal. O pequeno núcleo inicial foi crescendo e hoje a Associação conta com cerca de 400 sócios. Em Setembro de 2001, já com uma grande e bem preparada equipa de trabalho, a Associação solicitou à Câmara autorização para concentrar a sua actividade na zona mais alta do Parque, na área do Pico Areeiro, entre os 1700 e os 1800 metros de altitude. O risco era grande, mas maior era o desafio de criar um oásis num deserto de montanha. Ali a autorregeneração era praticamente impossível porque todo o coberto vegetal tinha desaparecido e nalguns espaços já nem solo havia. Onde a rocha madre aflorava só com a criação dum novo solo em cada cova seria possível instalar as plantas pioneiras para uma nova sucessão biológica.
Em Outubro de 2001 começaram os trabalhos. Pelo menos num sábado de cada mês, 50 a 70 Amigos do Parque trabalham na plantação e manutenção de espécies adequadas às características daquele ecossistema. De Outubro a Março decorre o período de plantação, sendo em cada jornada introduzidas entre 400 a 600 plantas. Entre Abril e Setembro são executados trabalhos de manutenção e regas. Para que as plantas aproveitem da melhor maneira a água e sejam menos afectadas pelas variações de temperatura, as caldeiras são cobertas com uma camada de estilha e para que o vento não moleste as plantinhas são construídas protecções de pedra. Só assim foi possível garantir uma taxa de sucesso superior a 70% num ambiente particularmente difícil.
Cerca de 6 ha que estavam completamente desertificados há pouco mais de três anos, começam a ostentar as cores da biodiversidade, graças ao trabalho voluntário e persistente dos Amigos do Parque Ecológico. A variegada floração de três arbustos endémicos da Madeira — piorno (Teline maderensis), massaroco (Echium candicans), estreleira (Argyranthemum pinnatifidum ssp. pinnatifidum) — e duma herbácea macaronésica — andríala (Andryala glandulosa ssp. varia) — constitui a primeira vitória na longa batalha de recuperação dum deserto pedregoso, criado durante cinco séculos de cortes de lenhas, incêndios e pastoreio intensivo.
A área onde a Associação está a intervir deverá funcionar como banco genético e foco difusor das plantas indígenas para as montanhas envolventes. O vento alísio tem-se encarregado de espalhar as sementes de massaroco, piorno e estreleira, prevendo-se que em 2005 se associem as sementes das urzes (Erica maderensis; Erica arborea).
Entretanto, largas centenas de loureiros (Laurus azorica) e cedros-da-madeira (Juniperus cedrus) crescem com aspecto suadável, o que confirma a justeza da sua selecção como as espécies arbóreas adequadas ao ambiente climático da alta montanha, caracterizado por expressivas amplitudes térmicas diurnas e anuais, períodos de ventos fortes, formação de geadas, precipitação de neve e granizo, grande variação da humidade atmosférica e do solo entre o Inverno e o Verão.
Para além das espécies plantadas começaram a surgir alguns endemismos cujas sementes ali chegaram transportadas pelo vento. Em Junho de 2004, pela primeira vez, floriram duas armérias-da-madeira (Armeria maderensis) e várias leitugas (Tolpis macrohiza) abriram as cimeiras de flores amarelas.
Aproveitando os esconderijos criados pela nova vegetação, os casais de corre-caminhos (Anthus berthelotii maderensis) escolhem aquele espaço para nidificar. No princípio de Junho de 2004 foram encontrados dois ninhos com três ovos cada desta subespécie madeirense e no fim do mês três pequenos pássaros ensaiavam os primeiros voos. Paralelamente, a Associação desenvolve um programa educativo para crianças e adolescentes pobres ou com problemas de integração social, que partilham com os menos jovens, um sábado em cada mês, o estimulante desafio de recuperar a biodiversidade que existia na cordilheira central, quando a ilha começou a ser povoada pelos portugueses na primeira metade do século XV.
Desde a primeira hora, a Associação dos Amigos do Parque Ecológico tem contado com a colaboração da Câmara Municipal, que cede autocarros para o transporte dos participantes nas diferentes actividades, autotanques para a rega e disponibiliza plantas produzidas no viveiro da Ribeira das Cales. Em 2003, por falta de capacidade deste viveiro, foram solicitadas plantas à Direcção Regional de Florestas, que permitiram cumprir o plano anual de plantação.
O apoio financeiro das empresas patrocinadoras e em particular da Seacology — Organização Não Governamental com sede nos EUA, vocacionada para a preservação do ambiente e da cultura nas ilhas — tem sido precioso para a realização do nosso projecto, que é pioneiro na Madeira e poderá ser útil para outras ilhas montanhosas vítimas de processo de desertificação semelhantes.
Raimundo Quintal in “Liberne” - revista trimestral - Liga para a Protecção da Natureza - Primavera/Verão 2005 |
1 Comentário(s):
O Silvestre fica com a fama de trabalhador, mas sem a equipa de apoio, concerteza que não podia com a mangueira :)Pois é, também tenho muito orgulho em pertencer a esta associação, mesmo nos dias em que me "obrigam" a carregar rocha... Prometo que em 2006 vou dedicar-me mais às plantações!!
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